FLAGRANTES FEITOS POR CÂMERAS DE VIGILÂNCIA DENUNCIAM O QUANTO COTIDIANO E FICÇÃO SE CONFUNDEM.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Manuel


O cotidiano vicia. É cômodo como a preguiça presente ao acordar. Inicia seu processo de perversão no primeiro gole de café e segue corrompendo o livre arbítrio no momento em que blasfema o trabalho.

Final de semana, 3:30h da manhã. A feira de domingo promete multipicidade de deja vus, que já não trazem mais surpresas. O orvalho em cima das frutas escorre milimetricamente como das outras vezes. O motor da velha Rural ressoa barulhos familiares e o cheiro do diesel passa despercebido.

Durante o trajeto, o cotidiano se faz rotina. Na cidade, o ato de montar a barraca carrega esforços disciplinados, quase mecânicos, e a luz do sol anuncia: é hora de bater o ponto!

A movimentação cresce com o tempo. Passam pessoas sem rosto, pessoas sem sexo, pessoas se nexo. As coisas se “coisificam”, perdem sua identidade, perdem seu cheiro, perdem sua cor, pedem seu brilho e seu valor.

Um burburinho corta o barato e ameaça a quebrar o êxtase da rotina:

_ “Seu aleijado, tarado”. Berra uma mulher.
_ “Gostosa!” Agride o tal aleijado.

(As coisas começam a se descoisificar...

_”Sua vagabunda! Você não sabe que ele é virgem!?” Toma as dores uma outra mulher.

...ganham cores, cheiros, valores e identidades.)

Passa um cara e pede 10 reais! Passou.

_“Ou, calma aí gente, vamo parar com essa briga! Pra que isso?”

É aberta uma fresta na rotina de pensamentos e atos, que, por um curto e intenso período, alteram o ciclo natural da maquete do cotidiano. O sujeito ganha nome. Manuel ganha vida, Manuel ganha sentido, Manuel se faz presente.

_ "Aparta aí gente, aparta!" Manuel se faz Manuel.

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